quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

As letras da matemática


            O primeiro contato com a matemática na infância se dá com no dia a dia. Primeiro as crianças passam a perceber visualmente que na casa está a mãe, o irmão ou a irmã, mas cadê o papai? Ou a criança passa a perceber o espaço e quando pega os seus brinquedos para brincar percebe que está faltando algum. Logo, a criança passa a procurar, pois ela percebe que está faltando. As relações de muito ou pouco, cheio ou vazio, e de quantas pessoas existem ou quantos brinquedos estavam ali fazem parte da vida como uma fase de quantificação do espaço, do existe e não existe, do falta ou não falta.
         Depois de percebida claramente essas relações a criança passa a perceber pequenas quantidades, de certa forma associada a representação numérica da sua idade. Por exemplo, meu filho tem dois anos e ele consegue uma relação muito clara até os dois dedinhos. Passando dessa relação de referência para a criança a quantidade não conhecida passa a ser muito.
         Por erro do homem, da educação ou do professor, as crianças aprendem a recitar numericamente do 1 até 10. Essa é uma necessidade clara da criança começar o seu processo de formação matemática sem significado. Muitas vezes o único significado que é compreensível para o adulto é que aquela criança precisa aprender a brincar de pique-esconde.
        Além do erro de recitar a ordem numérica do 1 até 10 a criança passa por outro processo, que é escrever os números de 1 até 10. Até então esse processo de alfabetização não tem nenhum significado ou representação matemática para o envolvido.
      E um grande erro do processo de alfabetização matemática é achar que a criança que recita e escreve conhece os números e sabe matemática. 
     O ponto chave para aprendizagem matemática está no estímulo das inteligências múltiplas, segundo Gardner. Para se ter uma boa inteligência lógico-matemática as crianças precisam ter estimuladas a inteligência musical, a espacial, a corporal-cinestésica e a naturalista. Esses conjuntos de competências, ao serem estimuladas, promovem melhoria das habilidades  necessárias para se aprender a quantificar.
        Primeiro as crianças aprendem a quantificar usando as mãos, depois a representação numérica indo-arábico ganha significado de representação das quantidades. Porém a representação numérica indo-arábico não é tão fácil assim, pois: Quantos números existem?
         Na concepção da minha filha de (4 anos e 8 meses) é que os números são letras da matemática: pra ela não existe diferença entre A-7-R-5. Um fato importante da aprendizagem na primeira infância é que não existe conhecimento fragmento, esses fatores sociais são inseridos na escola, logo dificultando o processo de aprendizagem na escola. O próprio pedagogo possui uma grande habilidade de usar o método fonético ou silábico, mas não tem compreensão de qual método usar para ensinar matemática. Logo, a matemática começa a ser fragmentada em outra caixinha de conhecimento pela criança.
           Outra curiosidade é que o zero não é bem apresentado para as crianças. Na minha casa, a minha filha tem uma noção que o desenho O pode ser o zero, ou a letra ó, ou o círculo, ou uma bola.               Vai depender do que ela quer que seja, ou seja, do contexto. As mesmas relações eu procuro mostrar para os meus alunos com relação ao desenho X que pode ser a letra xis, o fator de multiplicação, ou simplesmente  uma variável algébrica que esconde um valor qualquer. E assim os nossos alunos crescem, sem saber que  1.8 pode ser o motor de um carro, ou o número decimal 1.8 para quem programa em C, ou 1,8 decimal, ou simplesmente 1x8.
              As mesmas relações são encontradas na escrita numérica dos números indo-arábico. Minha filha me perguntou quantos números existem? Respondi que havia muitos, infinitos. E ela respondeu com toda convicção, isso eu sei mamãe. Mas quero saber quantos 1 existem? Hora ela me pergunta, qual é a letra de computador, qual é a letra de escrever? E aqui está a resposta.



      E esses mesmos números podem ser um, dois, três... ou one, two, tree ou itchi, ni, san, mas a representação continuará praticamente a mesma.
      Outra hora, vejo sua curiosidade ao brincar com o ábaco. Este tem até a dezena de milhar. E ela começa a contar:
1,2,3,4,5,6,7,8,9,10, depois continua:
11,12,13,14,15,16,17,18,19, e 20.
21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, (20 e 10)
Aí eu intervir dizendo que 20+10 pode ser 30.
E ela continuou.
31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, (30 e 10). Aí novamente intervimos (os pais): 30 mais 10 é igual a 40.
Ela continuou: 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, (40 e 10). E logo, o 40 mais 10 virou 50. No instante que ela brincava com o ábaco percebeu por conta própria a composição numérica. Ela usou cada peça para representar a contagem.
       E durante a composição percebi que a criança automaticamente entende o tradicional vinte dois, como sendo vinte e dois. Ou seja, pra ela 22 é a mesma coisa que 20 e 2. E coerentemente a criança está certa no princípio de contagem, mas a intervenção de um adulto ou os próprios livros didáticos pode prejudicar sua aprendizagem.
        Por exemplo, na pré-escola é comum as crianças serem apresentadas as figuras geométricas. No caso da minha filha ela já entrou na escola sabendo o que era triângulo, círculo, quadrado e retângulo, pois é comum no dia a dia daqui de casa as crianças poderem brincar com tangram, geoplano e material dourado. Na escola esse material não está presente no cotidiano da sala de aula. Não é culpa dos educadores, mas talvez da sua formação. Eles apresentam as figuras geométricas para as crianças colocadas no palito de picolé e com rostinho. Agora, o que era simples passou a ser confuso.  Eu chamo de personificação da infância que também pode ser conhecida como prosopopéia, por definição: é uma figura de linguagem que atribui uma ação ou sentimento aos seres inanimados ou irracionais.
        Agora o famoso triângulo, círculo, quadrado e retângulo viraram personagens de uma história e passam a interagir. Conclusão: os que não sabem continuam sem saber e os que sabiam desaprendem.   Muitas vezes as crianças memorizam as figuras geométricas do mural da escola, logo ao ver o triângulo verde pra ela não é o triângulo, pois o triângulo no mural da escola é amarelo. A associação de cores está presente e é importante para a aprendizagem.
         Enquanto o excesso de cores e a personificação da matemática ou da linguagem podem cada vez mais atrapalhar a aprendizagem.
         Outra descoberta que fiz ao longo dos meus estudos maternos foi que a criança aprende a falar conversando com um adulto e de preferência que os diálogos sejam olho a olho. E da mesma maneira a criança aprende a escrever. Ela precisa ver pessoas a sua volta escrevendo. A criança aprende a letra  A vendo a letra A sendo escrita. Atualmente as salas de aulas são repletas de material pronto. O mural está pronto, a atividade já vem impressa e pouca liberdade é dada a criança para usar o lápis e papel. E assim os nossos filhos chegam na educação superior, só querendo copiar o que está no quadro e pouca ou nenhuma autonomia para se aprender.
        Na matemática, diferente da linguagem, não existe um método aplicável. Considerando que os métodos fônicos ou silábicos não passam de meras receitas pra quem não sabe alfabetizar. Independente do método escolhido pela família: seja em casa ou na escola, cabe aos pais estimularem o desenvolvimento de seus filhos e os professores os seus alunos, pois todos têm autopotencial de aprender o que quiserem independentemente da idade, sexo, cor, raça ou origem.
Para se aprender matemática é preciso experimentar a matemática, é preciso brincar com a matemática.... É o saber e o sabor...

Escrito em 30 de março de 2017 por Ana Gabriella de Oliveira Sardinha

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